Stefania Relva e Rosana Santos*
O Brasil deve desempenhar um papel significativo no processo de descarbonização econômica global, produzindo e exportando bens com uma baixa pegada de carbono. Mas, para a criação dessa indústria moderna e verde no país, capaz de exportar produtos de alto valor agregado, dois primeiros passos são primordiais: precisamos estar de acordo sobre o que consideramos produtos verdes, de modo a entender qual é a demanda para esses produtos; e precisamos garantir que teremos linhas de financiamento para a descarbonização industrial. Para esses dois passos, precisamos falar sobre um elemento chave: a Taxonomia Sustentável Brasileira.
O processo de construção dessa taxonomia, que está entrando na etapa técnica agora, de definir os projetos e indicadores de oito setores, terá um papel primordial na determinação se o processo de neoindustrialização brasileira será verde ou não. Afinal, uma taxonomia sustentável é justamente um sistema de classificação que define critérios e requisitos específicos para identificar quais atividades econômicas são ambientalmente sustentáveis.
O principal objetivo desse tipo de taxonomia é proporcionar uma linguagem comum e consistente para investidores, empresas e formuladores de políticas, ajudando a direcionar o capital para atividades que contribuam para a sustentabilidade ambiental e a mitigação das mudanças climáticas. Além disso, o estabelecimento de taxonomias facilita a comparação e a harmonização entre diferentes mercados e ajuda a combater o greenwashing, ao definir critérios claros e verificáveis para o que é considerado sustentável.
Entre as taxonomias mais famosas do mundo está a Taxonomia para Atividades Sustentáveis da União Europeia. Essa taxonomia é uma parte fundamental do Plano de Ação para Finanças Sustentáveis do bloco e visa direcionar investimentos para atividades que apoiem a transição para uma economia mais sustentável. Diversos países vêm desenvolvendo suas taxonomias com base nesse exemplo europeu, o que faz muito sentido do ponto de vista da uniformização dos mercados e de garantia de que seus produtos possam ser considerados verdes na Europa.
Porém, não podemos esquecer que o Brasil tem um perfil de emissões e um processo de transição energética diferente do resto do mundo, o que às vezes leva a percepções distintas sobre os conceitos relacionados a esse tema e ao desenvolvimento sustentável. Enquanto o uso de energia representa 73% das emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo, e a agricultura, florestas e mudanças no uso da terra representam 18%, no Brasil essa proporção é o inverso: 18% da energia e quase 50% da agricultura, florestas e uso da terra. Essa diferença influencia a compreensão, inclusive internacional, do processo de descarbonização econômica do país. Além disso, temos um potencial único para o uso de biomassa, uma enorme biodiversidade e um nível de desenvolvimento social diferente do europeu, o que implica uma percepção diferente do que podem ser considerados processos e produtos sustentáveis.
Assim, a construção da taxonomia brasileira deverá contribuir para dar mais segurança ao entendimento do que são produtos sustentáveis no país, mas também enfrentará o grande desafio de contemplar as rotas tipicamente nacionais, a realidade socioeconômica brasileira e a capacidade de o país prover os dados necessários para a comprovação da sustentabilidade da produção nacional. Dessa forma, poderemos inserir o Brasil no mercado verde global sem abandonar nossas particularidades.
* Stefania Relva é consultora sênior e Rosana Santos é diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética.