Consumidor, muito além de um pagador de contas das crises

Edlayan Passos** 

As crises do setor elétrico brasileiro de 2001, 2013 e 2021 tiveram um custo da ordem de US$ 55,1 bilhões para os brasileiros, sendo que a maior parte desse montante foi pago diretamente pelos consumidores por meio de encargos para a compra de energia emergencial de usinas termelétricas. 

A estimativa faz parte do estudo “As crises de energia no Brasil: reflexões para um gerenciamento efetivo”, que desenvolvemos recentemente com os consultores Luiz Maurer, Luiz Eduardo Barata e Paulo Born. O texto discute alternativas de gestão do setor elétrico para evitar que esses episódios se repitam e garantir que, caso ocorram, os formuladores de políticas públicas disponham de ferramentas mais adequadas para gerenciá-los da melhor maneira possível, com menores impactos econômicos e ambientais.  

Essas ferramentas têm de incluir – e não só nos momentos críticos – o potencial de participação do consumidor numa condição que vá além da de um mero pagador de contas. A principal alternativa para tanto é a resposta da demanda, um mecanismo de mercado de energia que consiste na redução do consumo por grandes consumidores em determinados períodos, de modo que a energia que deixe de ser usada seja destinada ao atendimento de outras cargas, evitando-se o acionamento de usinas mais caras e poluentes. 

O mecanismo funciona por meio do estabelecimento de contratos com grandes consumidores semelhantes aos feitos com geradores, incluindo a remuneração das indústrias envolvidas e o seu compromisso de suspensão do consumo se houver despacho pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Essa redução pode ser feita com grande agilidade, de maneira parecida com a entrada em operação de uma hidrelétrica. 

Testado e aprovado em diversos países, inclusive no Brasil, esse mecanismo garante a flexibilidade operativa necessária em matrizes com participação cada vez maior de fontes variáveis, como eólica e solar, a custo inferior ao de usinas térmicas. Além disso, embora de maneira nenhuma deva ser confundido com ameaça de falta de energia, é estratégico para reduzir o risco de ocorrência e o impacto desses eventos sobre os consumidores de energia, servindo também como um mecanismo útil para a sua gestão. 

Num contexto de perspectiva de deterioração das condições de abastecimento de energia, o mecanismo poderia ser combinado com reduções do consumo de pequena escala, por exemplo. Para se ter uma ideia, o custo das crises que vivenciamos desde 2001 poderia ter sido cerca de 60% menor caso, ao invés da concentração na geração térmica, a gestão das crises tivesse colocado em prática um programa robusto de resposta da demanda somado a uma redução geral do consumo da ordem de 4% a 5%. 

Alternativas dessa ordem tornam-se ainda mais relevantes no contexto das mudanças climáticas. Afinal, não se pode esquecer que as emissões de gases de efeito estufa têm sido relegadas a um segundo plano na gestão das crises, dando-se prioridade à manutenção do suprimento. Com isso, os episódios intensificam as emissões do setor elétrico, que atingiram 189,9 milhões e 56,9 milhões de toneladas de gás carbônico nas ocorrências de 2013 e 2021, respectivamente. 

Ou seja, além de pressionarem os custos da energia e, consequentemente, a competitividade da nossa produção, esse padrão pode ameaçar a ambição do país de se posicionar como um importante ator global em suporte à mitigação de gases de efeito estufa, por meio, por exemplo, da produção de produtos de baixas emissões de carbono para uso próprio e para o mercado internacional. O consumidor de energia precisa, portanto, participar de soluções alternativas de prevenção e gestão de crises pois, no limite, elas ameaçam sua própria sobrevivência no mercado global. 

* Este artigo foi publicado originalmente na coluna A Transição Explicada, da EPBR

** Edlayan Passos é especialista em Energia do Instituto E+ Transição Energética. 

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