O hidrogênio de baixas emissões de carbono é a grande aposta mundial para a descarbonização de setores que dificilmente podem ser eletrificados de forma direta, como boa parte da indústria pesada e o transporte marítimo. Essa perspectiva está ligada principalmente a avanços tecnológicos que prometem a redução dos custos de produção e a viabilidade do seu transporte na forma de amônia.
Em meio a essa expectativa, empresas e governos ao redor do mundo planejam construir quase 1,6 mil plantas de hidrogênio, como indica artigo de David R. Baker publicado pela Folha de S. Paulo. Mas, conforme o texto, a grande maioria desses projetos ainda não tem clientes dispostos a comprar o combustível.
A principal preocupação diz respeito à complexidade de se transformar um sistema de produção, transporte e consumo de combustíveis fósseis profundamente enraizado na nossa sociedade.
“A maioria das empresas que poderiam funcionar com hidrogênio precisaria de novos equipamentos caros para usá-lo, um salto que elas relutam em dar. O hidrogênio produzido usando energia limpa custa quatro vezes mais do que o hidrogênio feito a partir do gás natural, de acordo com a BNEF. E é difícil construir a infraestrutura para fornecer hidrogênio — não apenas plantas para produzi-lo, mas também gasodutos para movê-lo”, escreve Baker.
No caso brasileiro, a cautela faz sentido em particular diante da aposta de muitos projetos na exportação, para a Europa, de hidrogênio produzido a partir de energia solar e eólica no Nordeste.
Mas não se pode perder de vista que, além desse potencial, temos condições de aproveitá-lo internamente e superar boa parte dos obstáculos indicados pelo articulista, com ganhos inclusive para a economia brasileira. Vale observar que também contribuem nesse sentido o fato de que, além do hidrogênio e da eletricidade produzidos com baixas emissões, o Brasil tem outras rotas de descarbonização, por meio do uso do carbono biogênico da biomassa.
Essa tese do aproveitamento interno dessas potencialidades, que vem ganhando força em diversos fóruns nacionais e internacionais, prevê a sua combinação com hubs industriais, de maneira mais eficiente e competitiva. Tal combinação está em linha com o modelo defendido por uma das fontes de Baker, o CEO da fabricante de equipamentos de hidrogênio Thyssenkrupp Nucera AG, Werner Ponikwar, no caso do hidrogênio. Para ele, os projetos com maior probabilidade de sucesso hoje são aqueles que incluem “todo o ecossistema”, localizando uma planta de hidrogênio perto de uma fonte de energia limpa e de potencial cliente.
No caso brasileiro, exemplos desse tipo de modelo incluem novas siderúrgicas, para produção de aço ou itens intermediários da sua cadeia feitos com menores emissões de carbono, e plantas de fertilizantes nitrogenados, que poderiam garanti-los para descarbonizar a agricultura nacional, com a vantagem adicional de reduzirem nossa dependência do produto importado.
Evidentemente que, em meio à urgência das mudanças climáticas, as considerações apresentadas pelo artigo são muito preocupantes. Não podemos, no entanto, apenas lamentar os riscos que agregam aos projetos planejados por aqui. Na verdade, temos justamente que usar tais inquietações para organizar nossa indústria de hidrogênio de modo a reduzir esses riscos e aproveitá-la de maneira mais promissora para o nosso próprio desenvolvimento socioeconômico.