Rosana Santos*
As importações brasileiras de fertilizantes nitrogenados atingiram 4,6 milhões de toneladas em setembro, volume 17,9% superior ao do mesmo mês do ano passado. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indica ainda que, nos primeiros nove meses do ano, o montante chegou a 31,81 milhões de toneladas, uma alta de 10,9% em relação ao mesmo período de 2023, sendo o maior registro para setembro na série histórica.
Embora relevantes para as receitas das regiões portuárias do país, esses resultados pressionam a balança comercial brasileira, refletindo a dependência do agronegócio de insumos importados de regiões marcadas por instabilidades geopolíticas, como o Oriente Médio e a Rússia.
Também sinalizam a contribuição do setor às mudanças climáticas – tendo em vista que esses fertilizantes são produzidos a partir de combustíveis fósseis –, e refletem um desperdício do potencial nacional de produção a partir de energia limpa e bioinsumos.
O principal componente dos fertilizantes nitrogenados é a amônia (NH3), formada a partir de nitrogênio e hidrogênio. O primeiro é capturado do ar, enquanto o hidrogênio pode ser produzido por meio da eletrólise e da reforma de biomassa ou de gás natural.
Atualmente, o combustível fóssil é a principal matéria prima do segmento, o que o torna responsável por cerca de 5% das emissões globais de carbono. Diante dessa relevância, está entre os potenciais beneficiados por projetos de produção de hidrogênio de baixo carbono em desenvolvimento em diversas partes do mundo, incluindo os previstos no Nordeste brasileiro.
Aos poucos, essa possibilidade começa a ganhar espaço no interior do país. O principal exemplo é o projeto da Atlas Agro em Uberaba (MG), que acaba de ser selecionado como o primeiro do Acelerador de Transição Industrial (ITA), aliança global voltada à aceleração da descarbonização de setores carbono intensivos, como aço, alumínio e químico, incluindo fertilizantes.
Embora seja de relativamente pequeno porte – o objetivo é produzir 530 mil toneladas por ano a partir de 2028 –, a unidade é um marco não só pela produção a partir de energia limpa, como por fazê-la na proximidade de áreas agrícolas – o insumo deve ser comercializado com produtores rurais em um raio de até 500 quilômetros na região. Isso acrescenta à característica “verde” do fertilizante o fato de reduzir o gasto de combustíveis fósseis no seu transporte.
Esse carácter regional e o potencial de crescimento da produção tendem a ser cada vez mais relevantes no segmento, por conta da possibilidade de uso de biomassa como matéria prima. Afinal, os resíduos de matéria orgânica estão disponíveis principalmente nas regiões agrícolas. Essas condições indicam que a produção limpa de fertilizantes vai ajudar a descarbonizar a nossa agricultura, afetando a cadeia da importação do insumo e as receitas dos setores que atualmente dela se beneficiam. Mas os efeitos no setor de logística também vão em direção contrária: no contexto de transição energética, produtos de baixo carbono tendem a ser valorizados no mercado externo. Ou seja, na prática, os portos poderão deixar de ganhar com a importação de fertilizantes, mas ganharão muito mais quando produtos agrícolas brasileiros “verdes” forem exportados com preços que reflitam o valor agregado da baixa pegada de carbono.
* Rosana Santos é diretora executiva do Instituto E+ Transição Energética.
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