Lágrimas pela transição

Rosana Santos* 

Os últimos dias foram catastróficos para o setor elétrico brasileiro. A suspensão, pelo Congresso Nacional, dos vetos da Presidência da República aos jabutis do marco legal das usinas eólicas offshore vai pressionar ainda mais os já elevados preços da energia. Ao mesmo tempo, a preocupação com a governança setorial voltou ao radar, com a interferência dessas medidas do Legislativo no planejamento e o desabafo da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre os efeitos dos cortes orçamentários promovidos pelo governo nas suas atividades.  

Movimentos como esses diminuem significativamente a chance de o país lançar mão da transição energética como uma alavanca de desenvolvimento socioeconômico, colocando em risco, inclusive, os avanços nessa direção aprovados pelo próprio Congresso, como o marco do hidrogênio verde, o Programa Combustível do Futuro, as regras do mercado de carbono e mesmo as das eólicas offshore. 

Os vetos barrados pelos parlamentares tratam da contratação compulsória e “ineconômica” de pequenas centrais hidrelétricas e da prorrogação dos contratos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), entre outros pontos. Essas medidas podem impactar os custos da energia em cerca de R$ 164 bilhões, conforme projeções da PSR. 

Boa parte desse aumento está atrelado ao fato de que a definição das fontes e montantes de energia a serem contratados deve ser baseada nas opções mais competitivas disponíveis, e não na imposição de reservas de mercado para determinadas fontes pelo Legislativo. A escolha também tem de levar em conta as demandas operacionais específicas do sistema, incluindo as variações do mercado. Em suma, o papel de planejador, por natureza eminentemente técnico, não deveria ser exercido pelo Congresso, com o risco de ameaçar a segurança de abastecimento, a competitividade geral do país e a qualidade de vida da sociedade. 

As novidades relativas à ineficiência setorial e aos prejuízos aos consumidores não terminam por aí: a Aneel informou que os cortes orçamentários impostos pelo governo no final de maio devem comprometer drasticamente as suas atividades de fiscalização e regulação, entre outros serviços. Ameaçam, portanto, um trabalho essencial para combinar os menores custos setoriais possíveis com o equilíbrio econômico-financeiro das concessões. 

Além de impactar diretamente os valores pagos pelos consumidores, no limite esse quadro coloca em xeque a neoindustrialização verde do país por meio do powershoring. Trata-se do atendimento à prerrogativa de investidores do mundo todo quanto à disponibilidade de energia limpa competitiva e acessível como um fator decisivo para a localização de novas unidades industriais, de modo a descarbonizar atividades produtivas hoje desenvolvidas em países com matrizes energéticas baseadas em fontes fósseis. 

A decisão do Congresso e o enfraquecimento do regulador pressionam o setor elétrico em direção contrária. É enorme o risco, portanto, de comprometerem o desenvolvimento socioeconômico que a transição energética global pode nos entregar se a nossa energia renovável contribuir de maneira relevante com a descarbonização de outros países. 

* Rosana Santos é diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética. 

** Artigo originalmente publicado no Canal Energia. 

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