Múltiplas rotas de transporte limpo 

Rosana Santos* 

Enquanto a maioria dos países vê nos veículos elétricos a única oportunidade de descarbonização dos sistemas de transportes, o Brasil tem outras opções de baixo carbono e pode se dar ao luxo de escolher alternativas mais adequadas à nossa realidade, com mais eficiência e menores custos.  

Além dos elétricos, essas alternativas contemplam os veículos leves híbridos a eletricidade e etanol, e os pesados a biocombustíveis, numa sistemática que combine o uso de energia de fontes limpas amplamente disponíveis, maior competitividade e menores impactos socioeconômicos.  

Adotada no país há cerca de 50 anos, a utilização do etanol nos veículos leves está entre as características que nos garantem uma matriz energética com emissões de carbono bastante inferiores à média mundial. Ao mesmo tempo, a cadeia do biocombustível contribui com a qualidade da nossa matriz elétrica, uma vez que resíduos da produção sucroalcooleira são destinados à geração de energia. 

Os automóveis híbridos a etanol possibilitam a manutenção dessas vantagens ambiental e energética, e aumentam a eficiência do uso do biocombustível. Isso porque o motor a combustão funciona em seu ponto ótimo e o sistema de frenagem regenerativa desses carros converte, em eletricidade, a energia que naturalmente seria perdida com o acionamento dos freios, e essa eletricidade ajuda a recarregar suas baterias.  

Em termos socioeconômicos, por sua vez, esses veículos se destacam por serem fabricados em condições semelhantes às dos convencionais, podendo ser produzidos em unidades fabris existentes por aqui. 

Outras vantagens dizem respeito às emissões de gases de efeito estufa e à infraestrutura de distribuição de energia. No primeiro caso, dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indicam que, atualmente, o nível de emissões dos veículos elétricos e a etanol é semelhante, mas a tendência é que o dos primeiros aumente mais de 10% até 2034, devido ao crescimento da geração térmica no país. Quanto à infraestrutura, o uso em larga escala de elétricos exigiria reforços nas redes de distribuição e transmissão e nas instalações elétricas dos imóveis. Certamente os consumidores – mesmo aqueles diretamente beneficiados pela tecnologia – não estão dispostos a pagar a totalidades dos custos elevadíssimos desses reforços. 

Evidentemente que, apesar dos pontos positivos, é importante reconhecer que a produção de biocombustíveis também tem desafios. Destacam-se, em especial, os impactos associados à monocultura em larga escala, aos riscos de pressão de desmatamento e à perda de biodiversidade, fatores que vêm sendo reduzidos na maior parte do país ao longo das últimas décadas, mas que ainda geram preocupação. 

Também pesa a favor dos elétricos puros sua eficiência energética muito superior à das demais opções, bem como o fato de que a ampla adoção dessa tecnologia no mercado internacional deve favorecer importantes reduções no custo desses veículos nos próximos anos.  

Não se deve perder de vista, no entanto, o fato de que as baterias dos carros elétricos dependem de minerais críticos, cuja exploração pode acirrar questões socioambientais em nações já fragilizadas em termos institucionais e econômicos. Mais, ainda não foi resolvido com a eficiência necessária o problema da destinação correta das baterias ao término da sua vida útil. 

Por fim, os elétricos puros ganham muitos pontos por não emitirem poluentes nos locais em que circulam. Esta questão é estratégica em particular para se reduzirem os índices de poluição nas grandes cidades brasileiras, principalmente no que se refere ao problema dos materiais particulados e suas consequências à saúde humana, num processo que seria ainda mais importante no caso dos veículos pesados usados nas áreas urbanas. Já a descarbonização de ônibus e caminhões para tráfego rodoviário poderia passar pela adoção de volumes mais significativos de biodiesel e biometano. 

* Rosana Santos é diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética. 
**Artigo publicado originalmente no jornal A Tribuna

Posts relacionados

Materiais de terceiros

O Batismo do Brasil

*Jorge Arbache Ao longo de sua história, o Brasil cultivou com zelo sua imagem de país pacífico, distante dos grandes conflitos geopolíticos. Desde o século ...
LEIA MAIS
Clipping

Qual é a pegada de carbono da sua placa solar? 

Edlayan Passos*  A energia solar é uma das principais alternativas para a expansão do setor elétrico brasileiro com baixas emissões de carbono. Mas o segmento ...
LEIA MAIS
Publicações e estudos

Transição energética em pauta no ENASE 2025 

Juliana Pontes*  Em meio aos preparativos para a COP30, a edição deste ano do Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (ENASE) contou com maior ...
LEIA MAIS
Clipping

México e Brasil, sinergias a favor da transição e do desenvolvimento

Rosana Santos* e Luisa Sierra Brozon  A visita do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao México no início de maio inaugurou uma nova agenda entre ...
LEIA MAIS