Rosana Santos*
O ano começa com notícias relevantes na área de transição energética. Na semana passada, a Yamna anunciou a possibilidade de implantar uma fábrica de amônia verde no Porto do Açu. Em paralelo, o programa Pecém Verde deve receber novos investimentos do Banco Mundial.
A empresa inglesa especializada em hidrogênio de baixas emissões e derivados pretende tomar uma decisão efetiva sobre o investimento no norte do Rio de Janeiro em 2027, com o início da produção de até 1 milhão de toneladas por ano em 2030. O projeto se insere nos esforços de diversificação das operações do porto, concentradas em petróleo e minério de ferro.
No Ceará, por sua vez, a novidade é uma doação de US$ 9 milhões do Banco Mundial para o programa de transição do Pecém, que deve movimentar um total de US$ 175 milhões nos próximos cinco anos para criar a infraestrutura necessária para a produção e a exportação de hidrogênio limpo.
Esses anúncios repetem o roteiro de projetos em análise em outras regiões do país, focados nas vendas externas do energético que é considerado elemento-chave da transição na maioria dos países.
Sem dúvida, trata-se de importantes contribuições para o esforço global contra as mudanças climáticas, dado seu potencial de reduzirem emissões de nações com matrizes energéticas fortemente dependentes de combustíveis fósseis. Também se destacam pela possibilidade de movimentarem investimentos relevantes no setor portuário brasileiro.
Mas é preciso ter em mente que esse tipo de operação agrega pouco valor à economia nacional. O fato é que, justamente por dispor do enorme potencial de fontes renováveis de energia que viabiliza tais projetos, o país pode ir muito além, combinando-o com outras características que favorecem o nosso protagonismo nas transformações industriais necessárias no contexto da transição: temos um parque industrial robusto, infraestrutura, matérias primas e mão de obra capacitada, entre outros elementos fundamentais para a expansão e a modernização da produção fabril de baixo carbono.
Ou seja, o aproveitamento desses predicados em favor do desenvolvimento passa pelo uso do hidrogênio e de outros recursos limpos para a descarbonização das nossas próprias operações, como as de siderurgia e química. Mesmo que seus produtos eventualmente sejam destinados à exportação, adicionarão valor mais significativo para a balança comercial brasileira, favorecendo nosso crescimento econômico. E, claro, contribuirão da mesma forma na descarbonização global, pois substituirão itens que seriam fabricados com emissões superiores.
Nesse contexto, mais do que hospedar instalações para despachar amônia em navios, os complexos portuários têm tudo para se transformarem em hubs industriais de baixo carbono, com a atração de novas unidades produtivas voltadas ao fornecimento de bens para exportação e também para o mercado interno.
Com certeza as vendas externas de hidrogênio serão importantes neste início do desenvolvimento do segmento, para a formação do mercado e a superação de desafios técnicos. Mas focar nossa transição apenas nessa atividade equivale a vendermos água, sol e vento, reforçando nosso papel histórico de exportador de bens de baixo valor agregado: podemos fazer muito mais, com melhores resultados, e os portos estão entre os protagonistas dessa estratégia.
* Rosana Santos é diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética.
** Artigo originalmente publicado no jornal A Tribuna.