Rosana Santos*
O Brasil é um dos únicos países do mundo onde a transição energética tem grande potencial de contribuir para o desenvolvimento socioeconômico. Isso se deve a um conjunto de características que vem ganhando cada vez mais relevância no contexto de descarbonização das economias, como energia limpa competitiva, matérias primas, mão de obra qualificada, mercado consumidor, diplomacia de paz e infraestrutura, entre outros aspectos. Com a atração de investimentos internacionais em busca de condições compatíveis com suas metas de descarbonização, o Brasil tem condições de promover uma verdadeira neoindustrialização verde, com favorecimento particular das regiões portuárias. Colocar tal potencial em prática, no entanto, exige alguns cuidados.
Os portos se destacam na nova geografia da reindustrialização brasileira. No caso santista, vale lembrar que, como afirmou o presidente da Autoridade Portuária de Santos (APS), Anderson Pomini, por ocasião da divulgação dos resultados de 2023, o recorde de 173,3 milhões de toneladas movimentadas naquele ano demonstra que há espaço para o crescimento das operações, de modo que o porto se mantenha como o principal do país.
Mas, além de ampliar os volumes transportados, o aumento da produção industrial de manufaturados na pauta de exportações pode potencializar os resultados financeiros, hoje alcançados principalmente com exportação de produtos primários, como soja e milho. Para se ter uma ideia, enquanto uma tonelada de minério de ferro bruto é vendida hoje por cerca de US$ 100 no mercado internacional, o país tem condições de produzir o ferro semiprocessado, cujo preço alcança cerca de US$ 500 por tonelada, com a vantagem adicional, no caso brasileiro, de que se trataria de um produto de baixas emissões de carbono.
Além disso, Santos não deve apenas registrar o trânsito dos volumes: boa parte deles pode ser produzida nessa e em outras zonas portuárias brasileiras. Nesse sentido, o autor do conceito de Powershoring, o vice-presidente para o setor de desenvolvimento do Banco de Desenvolvimento da América Latina, Dr Jorge Arbache, projeta a mobilização de pelo menos 30 projetos industriais de grande porte em setores como o de fertilizantes, celulose, cerâmica, vidro e química, entre outros, num movimento que pode gerar quase US$ 400 bilhões em exportações brasileiras ao longo da próxima década.
O aproveitamento desses potenciais, no entanto, exige alguns esforços da nossa sociedade. As tarefas incluem, em primeiro lugar, o estabelecimento de metas realistas de emissões de gases de estufa para cada setor da economia, incorporando-as às novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e garantindo sua consideração no desenvolvimento de novos projetos industriais no país.
O cumprimento dessas metas pela indústria deve ser apoiado por meio de política industrial específica e da criação, por exemplo, de hubs industriais portuários para o uso compartilhado de recursos e insumos renováveis como a biomassa, o hidrogênio de baixas emissões e o biometano, garantindo o uso otimizado e de menor custo desses na produção nacional de baixo carbono. Além disso, não se pode perder de vista que, um setor elétrico altamente limpo é condição necessária à neoindustrialização verde e mesmo com uma situação já bastante renovável em comparação com o mundo, precisamos assegurar a manutenção dessa renovabilidade nos próximos anos .
Esses são elementos-chaves para que os nossos portos funcionem como verdadeiras portas para a transição energética alavancar o nosso desenvolvimento.
* Rosana Santos é diretora executiva do Instituto E+ Transição Energética.