Quanto carbono tem no seu etanol?

Rosana Santos* 

A ampliação do uso de biocombustíveis produzidos de maneira sustentável é estratégica para a descarbonização do setor de transportes, hoje majoritariamente dependente de derivados de petróleo em todo o mundo.  

A experiência brasileira com etanol e biodiesel credita o Brasil para ocupar um papel de grande relevância nesse segmento. A expansão do uso desses combustíveis e de outras opções limpas é, portanto, questão-chave nas discussões do G20 sob a presidência do país, que obteve êxito histórico, agora em setembro, ao ver aprovado pelos membros do G20 os Princípios de Alto Nível em Bioeconomia. No entanto, a “guerra” está longe de pacificação. 

O problema é que essas discussões diplomáticas sempre complicam nos detalhes, ao refletirem a carência de entendimento internacional sobre uma realidade e tecnologias diversas da sua e, com isso, dificultam estabelecer padrões que se alinhem conceitualmente sobre o que é ou não “sustentável” e que levem de fato em conta a intensidade de carbono das alternativas. 

Essa padronização mais ampla da contabilidade de carbono e das rotas de produção de combustíveis como SAF de aviação, biometano e etanol é necessária por conta das diferentes condições tecnológicas e de produção agrícola dos países.  

O rendimento das diferentes culturas, a qualidade dos solos e o volume de fertilizantes necessário, por exemplo, têm de ser contemplados para se garantir que os biocombustíveis possam ser considerados neutros em carbono. 

Nesse contexto, o Brasil tem um desafio a mais, que é comprovar a condição real de sustentabilidade de sua produção agrícola: a preocupação é que a expansão dessa produção estaria se dando por meio do desmatamento ou de uma competição “food x fuel”. Ignoram-se, portanto, avanços tecnológicos em favor da melhoria do rendimento da cultura de cana-de-açúcar, por exemplo. 

A mesma linha de argumentação tem sido usada para descredenciar outras opções de aproveitamento energético de carbono biogênico típicas de países do Sul Global, com maiores condições de produção de biomassa. Essas possibilidades incluem a produção de biometano a partir de resíduos agrícolas, entre outros, bem como a de carvão vegetal sustentável, produzido, por exemplo, a partir do reflorestamento de áreas degradadas. 

Vale observar que esse tipo de restrição também tem sido observada no caso do hidrogênio, alternativa mais pensada para a descarbonização de outros segmentos da economia, como a indústria. A Europa, que tem liderado os investimentos nessa frente, atualmente considera como “verde” apenas o hidrogênio produzido a partir de energia elétrica gerada com fontes renováveis, por meio da eletrólise. Essa restrição obriga que empresas interessadas em fornecer o insumo para aquele continente adotem tal tecnologia. 

Essa restrição amplia os desafios para a produção de hidrogênio por meio das biomassas amplamente disponíveis nos países do Sul Global. Limita, portanto, o potencial brasileiro de desenvolvimento de equipamentos para a rota de produção de hidrogênio por meio da reforma de biomassa e a interiorização da oferta do insumo, fundamental para viabilizar seu uso na descarbonização de cadeias como a de fertilizantes. 

O estabelecimento de critérios claros é fundamental para que o mundo enderece a questão da descarbonização de diferentes segmentos da economia de maneira confiável. Mas é preciso cuidado para que esses potenciais ganhos não sejam ameaçados por restrições que tendem a ser mais comerciais do que técnicas. O Brasil precisa ser firme nessa batalha. 

* Rosana Santos é diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética. 

Confira a matéria na integra em https://www.atribuna.com.br/opiniao/rosana-santos/quanto-carbono-tem-no-seu-etanol-1.437057 

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