A França tocou num ponto importante para a transição energética e a urgência climática em seu pavilhão na COP-28, em Dubai: um dos painéis do pavilhão traz a mensagem “mieux consommer” (consumo melhor), como forma de reduzir emissões, apontou a diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética, Rosana Santos, que está em Dubai e reporta os destaques do evento.
A tônica da COP-28, em especial quando o Brasil está no centro do debate, tem sido fortemente calcada na expansão da produção das novas energias renováveis, como o hidrogênio verde e o biogás e o biometano. Mas a França lembra aos participantes do evento que nossa preocupação com o futuro do planeta também deve passar pelo consumo. “A alteração no perfil de consumo é uma missão de todos, mas é uma grande responsabilidade que se coloca principalmente para governos e empresas”, afirma Rosana.
Reuso e reciclagem também são citadas na mensagem francesa, bem como o papel dos estados e empresas em levar informações aos consumidores sobre a qualidade dos produtos, o que pode engendrar melhores escolhas dos cidadãos.
Desafios da economia circular e descarbonização na indústria – A combinação dessas condições de produção, consumo e descarte deu o tom do painel Economia Circular e descarbonização: desafios da Indústria Brasileira, realizado no Pavilhão Brasil por organizações da sociedade civil brasileira e que foi moderado pelo coordenador técnico do E+, Clauber Leite.
No evento, Luísa Santiago, diretora-executiva na América Latina da Fundação Ellen MacArthur, destacou que é preciso abordar não somente os sintomas, mas sim as causas das emissões de carbono relacionadas aos resíduos. Para ela, é fundamental olharmos como produzimos nossos bens de consumo, para observarmos como esse processo pode contribuir para a regeneração da natureza e a fabricação de novos itens, em uma economia circular.
“Temos de olhar a indústria não como um processo linear, mas olhar o sistema, o desenho e o modelo da nossa indústria”, afirmou. “Temos de olhar também para todos os setores produtivos, inclusive o agro. Temos de pensar em como a produção de alimentos pode sequestrar carbono, ao invés de emitir carbono”, disse.
Dione Manetti, presidente do Instituto Pragma, avalia que o Brasil deve preservar sua soberania, sem se sujeitar a trajetórias desenhadas por países mais avançadose contribuindo com o desenvolvimento do restante do Sul global. “Temos uma dívida histórica com os países africanos. Temos de fazer dar certo no nosso país para ainda levarmos essas propostas para a África”, disse, referindo-se à questão da gestão dos resíduos sólidos.
Emprego e qualidade de vida – Victor Argentino, coordenador de resíduos sólidos do Instituto Pólis, abordou a capacidade de geração de empregos que o setor tem no Brasil, que precisa ser potencializada. Segundo ele, a compostagem pode gerar de três a dez vezes mais empregos do que o uso dos aterros, e a reciclagem gera 40 a 70 vezes mais empregos do que o aterro, dependendo de investimentos na cadeia.
“Não é só investimento ambiental. O problema ambiental é um problema social”, afirmou Argentino. “Já temos muitas soluções no Brasil para resolver isso. Não adianta trazer soluções da Suécia, temos de valorizar as nossas, e precisamos investir nelas”, disse.
A necessidade de investimentos também pautou a fala de Aline Souza, representante da Cooperativa de Materiais Recicláveis do Distrito Federal e Entorno (Centcoop-DF). Segundo Aline, a reciclagem fica com apenas 10% dos rendimentos do processo de economia circular. “Nós recicladores somos sequestradores de carbono. Nada mais justo do que ter investimentos prioritários para os catadores”, afirmou.
A promessa do governo federal é nesse sentido. Também presente no painel, o secretário Nacional do Meio Ambiente e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Adalberto Maluf, disse que será lançado este mês o Programa de Aceleração do Investimento (PAC) da Reciclagem, para incluir e formalizar catadores de materiais recicláveis. Também será publicado um decreto para o pagamento por serviço ambiental da reciclagem, além da regulamentação dos grandes geradores de resíduos recicláveis. “Hoje a cooperativa fica com muito pouco da riqueza que gera”, reconheceu o especialista. “Queremos agregar valor à cadeia, para que os catadores tenham acesso a essa riqueza”, disse.