NYCW: Carbono biogênico, um potencial brasileiro incompreendido

O carbono biogênico como rota de descarbonização enfrenta muitos mal-entendidos nas relações internacionais, impondo um desafio significativo para o Brasil se aproveitar do seu potencial nessa área no contexto da transição energética. Essa situação tem o agravante de que, sem o aproveitamento desse carbono, dificilmente será possível atingir o netzero em 2050.  

Esse entendimento deu o tom do evento “Descarbonização e a trajetória para um futuro sustentável: avançando na agenda dos biocombustíveis”, promovido nesta terça (24) pelo Instituto E+ Transição Energética como parte da programação paralela da Climate Week New York 2024. 

“O aproveitamento de todas as chances que temos (em termos de descarbonização) pode fazer o Brasil produzir e oferecer materiais descarbonizados para o resto do mundo, ajudando na descarbonização dos outros países. Ao mesmo tempo, isso ajuda a criar valor e empregos em outras geografias diferentes, o que é importante inclusive para a paz mundial”, disse a diretora executiva do Instituto E+, Rosana Santos, que moderou o debate. 

A resistência ao uso do carbono biogênico como rota de descarbonização, na forma de biocombustíveis e biomassas, é associada aos riscos relacionados com mudanças no uso da terra – o desmatamento e a concorrência com a produção de alimentos – e dificulta a certificação de projetos de redução de emissões baseados em tecnologias do tipo. 

Os dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostram, no entanto, que o país tem condições de ampliar significativamente a produção de biocombustíveis sem alteração na área plantada. “Fizemos as contas de maneira muito conservadora e observarmos que, se considerarmos apenas etanol e biodiesel, poderíamos aumentar a produção em 5 bilhões e 10 bilhões de litros (por ano, respectivamente), sem impacto no uso de terra”, disse a diretora Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis da empresa, Heloísa Borges Esteves, referindo-se, por exemplo, às tecnologias de produção de etanol de segunda e terceira geração. 

Ao mesmo tempo, o país poderia desenvolver projetos de reflorestamento de áreas degradadas recuperando-as conforme as determinações do Código Florestal e produzindo carvão vegetal sustentável para a descarbonização de pequenas e médias siderúrgicas, como lembrou Santos, do E+. 

O gerente da Clean Energy Ministerial Biofuture Campaing (CEM), Gerard Ostheimer, também defendeu o aproveitamento desse potencial brasileiro. “Diferentes países têm diferentes recursos em termos de transição energética. O Brasil tem terra que pode ser usada de maneira mais efetiva e eficiente nessa direção. Mas precisamos ter a demanda, precisamos ter mercado para esse carbono biogênico”, destacou. 

Nesse sentido, o especialista sugeriu um aprofundamento no diálogo internacional sobre a agricultura. “Os ministérios de energia e agricultura precisam se juntar e concordar sobre a formação de uma agência (internacional) para o uso da terra”, disse, referindo-se a aspectos como a qualidade dos solos e o uso de água e defendendo que essa seja uma agenda da COP30. 

A perspectiva do Ministério de Minas e Energia é aproveitar o evento, bem como a liderança dos Brics no ano que vem, para impulsionar a agenda dos biocombustíveis, conforme a assessora da Secretaria Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, Lais Forti Thomaz. Para a especialista, uma certificação nesse sentido tem de garantir que as indústrias envolvidas atendam a diferentes parâmetros, gerando mais oportunidades e não mais barreiras.  

Até porque, como alertou a presidente executiva da Associação Brasileira de Biogás, Renata Isfer, a mera existência de uma certificação é insuficiente para garantir a viabilidade dos projetos. “Precisamos ter certeza de que o certificado seja confiável, rastreável e intercambiável com outros certificados de outros mercados, para que seja aceito no resto do mundo”, disse Renata. 

A presidente da Abiogás destacou ainda que, no que diz respeito ao biometano, a resistência à rota também esbarra numa visão equivocada de que tal processo poderia servir de estímulo para o aumento na produção de resíduos. “Isso poderia acontecer numa sociedade ‘perfeita’, mas não é o caso do Brasil, onde o lixo ainda polui a terra, os rios e o ar”, disse, acrescentando que, quando há um incentivo para a produção de biometano, o que ocorre é um estímulo para as pessoas separarem e aproveitarem o biocombustível, cujas emissões aconteceriam de qualquer maneira.  

Confira o painel completo:  

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