COP-28: o desafio de realizar a retórica e botar em ação os acordos

“Let’s get rhetoric into reality” e “Let’s get agreements into action”. Essas duas frases estão escritas em painéis no corredor de entrada do evento principal da COP-28, em Dubai, e sinalizam qual é o grande desafio desta edição da conferência do clima da ONU: transformar a retórica em realidade e os acordos em ação.

“A grande questão que resume esse abismo entre retórica/acordos e realidade/ações está a questão sobre quem paga a conta da mitigação e da adaptação e quem está realmente disposto a redistribuir riqueza, indústria, postos de trabalho. Esse tema envolve transversalmente o mundo, sul e norte globais, países desenvolvidos e os outros e também dentro de um mesmo país. E, especificamente sobre o desafio de se chegar a uma economia verde”, afirma Rosana Santos, diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética e painelista em diversos eventos da COP-28.

Ou seja, como vamos bancar o preço mais caro que um produto feito com menor pegada de carbono terá em comparação com seu concorrente feito com insumos e energia fóssil?

Para Rosana, essa resposta passa por quatro pontos:

  1. Mercado de Carbono: os instrumentos que serão criados a partir de um mercado de carbono serão uma das formas de pagar por parte desse prêmio, permitindo que emissões possam ser compensadas entre quem emite e quem as mitiga;
  2. Financiamentos facilitados para iniciativas e investimentos verdes: países mais ricos podem direcionar recursos para que países em desenvolvimento consigam fazer sua transformação industrial rumo à descarbonização, passando a produzir produtos verdes;
  3. Programas de incentivos fiscais: os países precisam criar formas de incentivar investimentos em produção descarbonizada, com a criação de programas que aloquem recursos orçamentários nessas rubricas;
  4. Regulações exigentes: as regulações mundiais devem passar a trazer mais exigências para que produtos entrem em seus países com pegada menor de carbono, como é o caso do Carbon Border Adjustment Measure (CBAM na Europa) e o Inflation Reduction Act (IRA) nos Estados Unidos.

O Brasil sai na frente quando o assunto é sua matriz energética, que já é composta em sua maior parte de fontes limpas e renováveis ou de baixa emissão de carbono. Isso nos permite fabricar produtos descarbonizados de maneira mais competitiva, mas ainda temos desafios e precisaremos de soluções híbridas, que unam mais de um tipo de financiamento, uma vez que o custo de produção pode ser superior ao convencional.

“Nosso grande desafio, já que pregamos a transformação industrial, é como vamos distribuir o custo do ‘green premium’. Isso porque o produto tradicional custa, em geral, mais barato do que o produto verde. O Brasil tem condição de produzir um produto verde e descarbonizado por um preço menor do que os outros países, mas mesmo assim ainda resta uma diferença. Essa diferença vai ser coberta como?”, provoca Rosana.

Na sua avaliação, o país precisa do chamado ‘blended finance’, que junta dinheiros diversos, inclusive de filantropia internacional, com o dinheiro do país, para ter um financiamento mais adequado, de custo mais baixo, para ajudar as empresas a fazer um salto tecnológico que precisa para fazer produto verde.

Foz do Amazonas: Brasil deve manter sua matriz energética renovável

Outro desafio que se coloca ao Brasil é o de manter sua matriz energética majoritariamente renovável. O fato de o governo brasileiro não dar sinalizações claras sobre barrar a exploração de petróleo e gás natural na foz do rio Amazonas é um dos temas quentes que precisam ser enfrentados durante a COP-28, segundo Rosana.

Outro assunto é a expansão do uso do gás e até mesmo do carvão mineral para geração de energia elétrica, como foi aprovado pela Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (29) como um “jabuti” dentro do Projeto de Lei (PL) que cria o marco regulatório das usinas eólicas offshore.

“Não negamos que o gás natural seja um recurso Importante pro Brasil. Mas a urgência climática não nos permite simplesmente passar por cima e usar, como se não houvesse amanhã. Se for para usar, tem que usar associado com algum tipo de captura de carbono. E tem de ter atenção redobrada de que o grande ativo do Brasil é ter uma matriz energética limpa, que deve obedecer a alguns requisitos para que os nossos produtos possam ser considerados verdes lá fora, o nosso hidrogênio possa ser considerado limpo. Se a gente ameaçar o estado da nossa matriz energética, introduzindo gás natural sem captura de carbono, a gente pode estar dando um tiro no pé”, afirma Rosana.

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