Resumo:

Em resposta à crise da pandemia do Coronavírus sobre pessoas e empresas, vários países apresentaram planos de estímulos à recuperação econômica em 2021 na chamada “transição energética”: investimentos em infraestrutura e inovações visando a neutralidade nas emissões de carbono no planeta.

Estas políticas governamentais foram acompanhadas pelo setor privado: fundos como BlackRock, que faz a gestão de ativos da ordem de 9 trilhões de dólares, lideraram um movimento de incorporação da agenda ESG (Environment, Social and Corporate Governance) em todas as análises das empresas em seu portfólio. O ESG está sendo incorporado às análises de risco de bancos de investimento e seguradoras no mundo inteiro, levando a um “círculo virtuoso” muito encorajador. Com isso, o combate aos efeitos associados às mudanças climáticas se colocou como questão central na nova geopolítica mundial e as principais economias mundiais já dão sinais claros que o clima ocupará cada vez mais espaço nas relações multi e bilaterais.

Já é conhecido que o equacionamento da questão climática demanda cooperação entre países e regiões para ser adequadamente endereçada. Desde 2015, 196 países e a União Europeia se uniram em um compromisso sem precedentes, o Acordo de Paris, com o objetivo de limitar o aumento médio da temperatura global bem abaixo de 2°C em comparação aos níveis médios pré-industriais, com esforços para limitar o aumento a 1,5°C. No Acordo, além de estabelecer metas para mitigação da emissão de gases de efeito estufa (GEE), os países também se comprometeram a transformar suas economias para o caminho do desenvolvimento sustentável, incluir metas de adaptação aos impactos das mudanças climáticas e os meios (e necessidades) para a implementação das medidas.

Para que os objetivos do Acordo de Paris sejam alcançados, cada país precisa fazer voluntariamente sua parte. Como os países partem de diferentes circunstâncias, recursos e habilidades, o Acordo foi elaborado de forma que cada país defina seus próprios compromissos, indicando quanto pode contribuir para a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Esses compromissos individuais são as Contribuições Nacionalmente Determinadas (Nationally Determined Contribution, NDC na sigla em inglês). As NDCs indicam os esforços que cada país se compromete a realizar para mitigar as emissões nacionais de GEE e se adaptar aos impactos das mudanças climáticas. É esperado que essas metas representem a maior ambição possível para cada país, considerando as suas capacidades e recursos disponíveis.

Cada uma das Partes tem como obrigação a preparação, comunicação e manutenção das sucessivas NDCs que pretende alcançar. No Acordo de Paris, a cada cinco anos, os países se comprometem a atualizar seus compromissos nacionais apresentando, sempre que possível, maior ambição em relação às metas anteriores. A primeira atualização das NDCs deveria ocorrer em 2020, mas por consequência da pandemia da Covid-19 e adiamento da COP26, prevista inicialmente para novembro de 2021 em Glasgow, nem todos os países submeteram suas NDCs atualizadas até o momento. O Brasil anunciou sua nova NDC brasileira ao Acordo de Paris em dezembro de 2020. Por ela, o país ratificou o compromisso de redução das emissões líquidas totais de GEE em 37% em 2025 e tornou um compromisso a meta de redução de 43% em 2030, tendo como base o ano de 2005. Além disso, o Brasil indicou o objetivo de “neutralidade climática – ou seja, emissões líquidas nulas – em 2060”, não descartando sua revisão em termos de uma estratégia de longo prazo mais ambiciosa, “a depender do funcionamento dos mecanismos de mercado do Acordo de Paris”. É importante observar que não há distribuição – e compromisso – formal de metas entre os diferentes setores (ou seja, não há uma meta específica para o setor de energia, por exemplo), de forma que o país é livre para alocar seus esforços nas medidas mais custo-efetivas, podendo, portanto, atingir as metas por diferentes caminhos alternativos.

Embora o governo considere a atual NDC uma das mais ambiciosas do mundo, muitos setores da sociedade apontaram que o país poderia ter apresentado uma proposta mais ousada. Nesse sentido, há uma mobilização desses agentes para levar uma NDC da sociedade brasileira, em contraponto à NDC anunciada pelo governo, à discussão na COP26.

Como de conhecimento, a situação do Brasil no setor de energia, em termos de recursos físicos, é privilegiada: já partimos de uma matriz energética de baixo carbono e dispomos de opções de expansão que são simultaneamente de baixa emissão e economicamente competitivas, o que alinha dois fatores importantes. Nossa matriz energética é, adicionalmente, bem adaptada para a descarbonização de outros setores, como transporte: dispomos de etanol, biodiesel, eletricidade limpa para veículos elétricos e podemos ser competitivos para a produção de hidrogênio “verde”, tema de grande interesse para a Europa e Ásia. Também temos muitas alternativas para utilizar o gás do Pré-sal para gerar riqueza ao país com benefícios ambientais, deslocando combustíveis mais poluentes na geração de eletricidade e na indústria, ou até mesmo colocando termelétricas nas plataformas de petróleo, que já dispõem de captura de carbono, como discutido no documento “Panorama e Perspectivas para o Gás Natural no Brasil”.

Esta abundância de recursos deixa claro que os desafios energéticos do país não são físicos, nem requerem subsídios que poderiam sacrificar outras necessidades da economia. Por outro lado, a participação expressiva da hidroeletricidade em nossa matriz energética é um componente de vulnerabilidade aos próprios efeitos da mudança climática. A situação de suprimento do Texas mostra que não só a energia afeta o aquecimento global via emissão de mais GEE, mas também torna necessária maior adaptação da infraestrutura e do setor de energia a eventos extremos. A melhor avaliação de riscos climáticos e aumento da resiliência a esses eventos também fazem parte de uma estratégia de redução de vulnerabilidade do setor de energia.